Vincent, com amor


A primeira vez que vi Vincent foi através de uma de suas pinturas, “Os comedores de batatas”, que compunham uma coletânea dos melhores pintores do mundo, numa dessas coleções que meu pai comprava dos vendedores de livros que batiam na nossa porta. Eu devia ter uns 10 anos. Gostava do quadro porque me lembrava da casa da vó Tila e do vô Dionísio. Lá não havia luz e a gente também comia sob a luz do lampião. Eles eram agricultores e a comida sempre era simples, no geral um único prato. E, por fim, porque eu sempre fui apaixonada por batatas. Assim, aquela cena de luz bruxuleante impregnava minhas retinas. Os trabalhadores e sua imanência.

Só bem mais tarde fui descobrir e também amar o Vincent mais colorido, amarelo e vibrante. Ainda assim, “os comedores de batata” seguia sendo meu quadro favorito. Para além da pintura, a história dramática do pintor, tão triste, sempre me comoveu e uma das primeiras coisas que fiz quando fui a Amsterdã foi buscá-lo, no museu que abriga suas obras. Por algum motivo não sabido, eu sempre o amei.

Ontem vi o filme de Dorota Kobiela e Hugh Welchman “Com amor, Vincent”, cujo projeto reuniu 100 diferentes pintores e somou 65 mil frames. Chorei o tempo todo da projeção e segui chorando, aos soluços, até umas três horas depois. O filme é uma poesia, uma belezura, uma obra de arte. Um grito de amor a esse tumultuado artista que, em apenas oito anos de trabalho, reinventou a pintura.

Ao ver que a história girava em torno do profundo amor que o carteiro Joseph Roulin tinha por Vincent, verteu o aguaceiro. Pois é justamente a família de Roulin que Vincent imortalizou no quadro “os comedores de batatas”. E a saga de seu filho, tentando desvelar a morte do pintor, é estonteante, apaixonante, abissal.

Enquanto o jovem busca a verdade, as telas de Vincent se movimentam sob nossos olhos e aí, essa mistura da pintura, da vida e dos sentimentos de Van Gogh vão amalgamando um sentimento que é misto de dor, alegria, prazer e desespero.

Vincent começou a pintar aos 28 anos e morreu aos 37. Cedo demais. Ou não. A explosão de sua obra talvez tivesse sido grandiosa demais para o corpo. Em vida vendeu um único quadro e hoje é um dos mais importantes pintores de todos os tempos. O filme explora essa intensidade, essa necessidade oceânica de expressar a vida. O tempo passa e a gente não sente, misturada entre risos e lágrimas, entre a doçura e mão dura da dor.

Quando acaba, não acaba, e a gente fica atordoada por horas. Pela beleza da obra, por Vincent, pela beleza da vida. Uma vontade louca de abraçar aquele ruivo grandote e dizer: Te amo. Obrigada.

Recomendo o filme. É extraordinário...

Como estrelas na terra


Como estrelas na terra é um filme de uma ternura abissal. A produção é indiana e conta a história de um menino que aparentemente vive com a cabeça na lua e não se concentra nos estudos. Na verdade ele tem dislexia e mesmo já estando há cinco anos na escola, fazendo pela terceira vez o terceiro ano - nenhum professor conseguiu perceber sua percepção especial. “As letras estão dançando”, ele diz. Os colegas riem e os professores se zangam, incapazes, uns e outros, de olhar com olhos de ver.

Boa parte do filme mostra o drama vivido pelo garoto na escola e em casa, onde também os pais não percebem sua incapacidade de entender as letras. Impossível não se emocionar diante do desejo profundo de Ishannn em ser compreendido, sem conseguir. Assim, ele vai se isolando dentro dele mesmo e nas fantasias que o fazem viajar.

Irritados com o fato de que o filho não tira boas notas os pais decidem enviá-lo a um internato. Mais um duro golpe para o menino de nove anos que se vê não apenas num ambiente hostil, mas também sem a presença familiar dos pais e do irmão. Aterrorizado e zangado, ele simplesmente se fecha para o mundo. O único colega que consegue tocar a corda do seu coração é um menino com deficiência física, ao qual se apega e com quem consegue alguma troca humana.

Tudo parece caminhar para uma tragédia até que chega um professor substituto. É, desses que não têm salário garantido, não tem férias, não tem nada e que vai ser demitido no final do ano. E é ele o que consegue enxergar que ali, na sua frente, tem um menino pedindo socorro. Com uma pequena pesquisa ele já descobre a dislexia e se propõe a ajudar. Sua abordagem com o menino é de uma gigantesca ternura, dessas que nos tomam por inteiro, e nos fazem pensar que o humano pode ser bom.

A caminhada de Ischannn e seu professor Nikumbh é um bailado de belezas e amor. Na ação do professor o sentido mais concreto do que pode ser a educação libertadora, na qual o professor vê o aluno e com ele encontra caminhos para longe da dor, na direção do infinito. A cena mais bonita mostra o momento em que o Nikumbh começa a falar de grandes figuras da história que também tinham dificuldade para entender as letras e iam muito mal na escola, mas que a despeito disso venceram e criaram maravilhas. O menino que faz o personagem (Darsheel safary) é uma doçura e em cada cena vivida por ele é impossível segurar as lágrimas. Ele é perfeito. Tem os olhos graúdos e expressivos, o riso de cristal.

O professor é vivido por Aamir Khan, que também dirige o filme. Aamir é muito conhecido na Índia, não apenas por sua carreira de ator, apresentador de Tv e diretor de cinema, mas também como ativista social. Seu filme, “Como estrelas na terra”, é um exemplo concreto de sua militância. Na história do garotinho disléxico ele questiona todo o sistema educacional que vê a criança como uma peça da engrenagem.

A criança na escola é para ser vista, compreendida e amada. Todas elas são especiais, com seu mundo interior, suas fantasias e suas dificuldades. Abrir os olhos para elas é ser verdadeiramente um educador. A gente chora muito vendo o filme, mas é um choro bom. Nikumbh salva Ishannn, mas existem outros tantos meninos e meninas esperando por um olhar de amor. Então, prestem atenção.