Coringa


A única palavra que me ocorre para definir o filme Coringa é: desespero.  Minuto a minuto, saltam pela tela as situações mais tristes de desamparo, solidão, raiva, estupor. Uma vida em escombros. Arthur é um homem doente, que tenta desesperadamente fazer com que alguma coisa dê certo na sua maldita e sufocante vida. Mas, cada tentativa é seguida de uma desgraça, uma humilhação. Pobreza, abandono, desamor, ódio acumulado, tudo isso vai somando à uma série de peripécias na angustiosa tentativa de manter a cabeça acima da merda.

A vida de Arthur é puro desamparo.

A tensão vai crescendo pouco a pouco. Ele apanha. Ele perde o emprego. Ele perde seu espaço de diálogo. Ele perde a possibilidade de manter os remédios que o equilibram. Ele descobre coisas sobre sua vida que só fazem aumentar seu ódio. Ele tenta uma nova carreira e falha. Ele desconhece a própria mãe. Tudo vai desabando como num castelo de cartas.

Esse acúmulo de desgraças explode contra todos aqueles que o desprezaram e se explicita publicamente num programa de televisão, ao vivo, quando o apresentador expõe ainda mais suas feridas. De caso pensado, friamente, Arthur mostra que apesar de toda sua dor, há nele ainda algum espaço de poder. Nem que seja o da destruição. "Você recebe o que merece"! Imediatamente nos vêm à cabeça os tantos programas da televisão brasileira que são pródigos em casos de humilhação dos convidados. Tanto horror que, mesmo a gente, que não sofre que qualquer sofrimento mental, sente vontade de bramir uma vingança.

A reação de Arthur é uma explosão individual, bem típica desse mundo capitalista, no qual as pessoas estão sozinhas em todos os espaços da vida. Não há amparo, não há comunidade, não há projetos coletivos capazes de amparar os que lutam para sobreviver. É ele, de novo, em solidão.

O filme Coringa é um retrato bem acabado desse nosso tempo. Nenhuma empatia. Nenhuma compaixão. O que fica é apenas um gosto muito amargo na boca e a perplexidade. Haverá outra opção, outra saída além da violência individual? E se a violência for organizada e coletiva, não haverá chance de avançar para um mundo melhor? Essa é a pergunta. E a resposta só o nosso tempo pode dar. O destino de Coringa todos sabemos. E o nosso?

Em tempo. A atuação de Joaquim Phoenix é deveras deslumbrante. mereceu todos os prêmios que ganhou.