O sol do meio-dia


O filme de Eliane Caffé, produzido em 2010, é de uma belezura sem fim. Primeiro que ele é todo rodado no estado do Pará, mostrando partes de um Brasil que muito poucas vezes se vê na tela grande. Depois, porque mostra um bailado extraordinário de atuação, com dois grandes atores brasileiros: Luis Carlos Vasconcellos e Chico Diaz. É definitivamente muito bom de se ver. São gigantes.

A história nada de tem de original, mas nos pega justamente por traduzir o Brasil real, interiorano, nortista. Dois homens na luta cotidiana pela vida e o amor pela mesma mulher. Um deles (Vasconcellos) é um sujeito atormentado que acabou de sair da cadeia depois de ter cometido um crime. E o outro (Diaz) um malandro brasileiro típico que vive fazendo malabarismo para se manter vivo numa realidade de miséria e de opressão. Juntos eles embarcam rio acima numa jornada que vai enveredando para a tragédia.

Nos caminhos dessa vida marginal, eles encontram Ciara em busca da filha. Cada um a seu modo, se apaixona. Artur, fugindo, por não se sentir digno e Matuím, direto e certeiro, querendo simplesmente um amor. No andar da história impossível não se apaixonar por esse macunaímico desastrado interpretado magistralmente por Chico Diaz e a gente vai até o fim torcendo por ele. É um sobrevivente que nos desperta a mais profunda ternura.

Mas, o coração de Ciara bate por Artur, até que venha o desenlace. O filme tem alguns vazios de narrativa, mas nos carrega. O final parece abrupto, é cru e sem doçura. Mas, não poderia ser diferente, considerando a vida pesada dos trabalhadores desses cantões do Brasil.

De qualquer forma é um filme para se ver. Uma ou mais vezes. Encantando-se com Matuím, esse valente, que mesmo na mais pura agonia encontra força e graça para seguir em frente, saltitando como um Pererê. 

O filme está livre no Youtube.

A dama de Baco


A Dama de Baco, ou The Baccus Lady, é um filme sul-coreano de 2016, dirigido por E J Yong. Narra o triste fim de uma prostituta velha, que oferece seus serviços nos parques de Seul. Um retrato cru da realidade das pessoas idosas, pobres e sozinhas que precisam enfrentar o peso da existência além da decrepitude. Infectada com uma doença venérea por conta da profissão So-Young encontra um garoto perdido na rua, deixado para trás depois de sua mãe esfaquear o pai. Ela o leva para sua casa onde também orbitam um homem mutilado e uma mulher trans, cada um com seus dramas. E os três se revezam na atenção, oferecendo mais do que podem.

Em meio aos cuidados com o garotinho So-Young segue com a vida de encontros fortuitos e acaba encontrando um antigo cliente que sofreu um derrame e que lhe pede para ajudar a acabar com a vida de sofrimento. A partir daí o filme vai revelando a triste existência dos velhos sul-coreanos perdidos na solidão e na pobreza. Apesar de ser considerada a décima primeira economia do mundo a Coreia do Sul registra a mais alta taxa de miséria entre pessoas idosas. Um drama recorrente na periferia capitalista onde o velho é considerado um inútil.

Num dos momentos do filme um documentarista que pede para entrevistar a prostituta pergunta a ela sobre o porquê de estar se prostituindo e ela diz: “foda-se a verdade. As pessoas não estão nem aí para isso”. O retrato mais acabado da realidade atual de um mundo no qual o estado se desobriga das pessoas restando a elas a solidariedade dos mais próximo que vivem tantas misérias quanto.

O filme é duro e triste, retratando uma Coreia para além dos doramas açucarados. Vale ver para compreender a extensão da miséria do capitalismo. Disponível no streaming Mubi.