Diecisiete

  


A dica de hoje é o filme espanhol Diecisiete, produzido em 2019 e dirigido por Daniel Sánchez Arévalo. Conta a história de um jovem de 17 anos, ensimesmado, dado a pequenos furtos, que vai parar numa casa de correção. Lá, ele participa de um programa de reabilitação que usa cachorros para ensinar empatia, disciplina e cuidado. Ao jovem Hector cabe um cachorro igualmente tímido, arredio e distante. Os dias passam e o vínculo entre os dois vai crescendo. Um belo dia, o cachorro não volta mais por ter sido adotado.  

Hector então decide fugir para encontrar seu cachorro e aí começa uma linda aventura que vai envolver seu irmão e sua avó que está morrendo em um asilo. Os três partem para uma jornada rumo ao mais profundo de cada um.  

Diecisiete é uma história de amor. O amor que se perde, o amor que subsiste, o amor que precisa se dizer, o amor que busca renascer, amor pelos bichos, pelos velhos. É também uma história sobre o cuidado, sobre a morte, sobre a finitude, sobre o desapego. É uma história sobre vida dura, almas em escombros e sobre a possibilidade de ser feliz quando os pedaços se juntam.  

O filme é engraçado, é triste, é cheio de ternura. Uma dessas pequenas pérolas que a gente encontra perdida no Netflix. Vale ver.

M-8 Quando a morte socorre a vida

A dica de hoje é esse filme brasileiro, uma adaptação do livro de Salomão Polakiewicz. O enredo traz um jovem negro, cotista num curso de Medicina, que vai se deparando com as manifestações de racismo típicas desse ambiente. Ao mesmo tempo ele também é confrontado com a dura realidade do Rio de janeiro, passando todos os dias pelo grupo de mulheres que se manifesta pela aparição de seus filhos, maridos e netos desaparecidos no massacre sem parada da população negra de periferia.  

Na faculdade Maurício, vivido pelo excelente ator Juan Paiva, também observa que os corpos que servem de estudo no laboratório de anatomia são todos os negros e começa a desconfiar que entre eles possam estar os desaparecidos. Um corpo em particular o atormenta e ele começa a ver o jovem negro no terreiro de candomblé, como se sua alma estivesse pedindo alguma coisa.  

A partir daí a trama vai se construindo com Maurício se aproximando das mulheres que protestam diariamente. Além disso ele mesmo corre o risco de ser mais um desaparecido quando, saindo de uma festa num bairro rico, se depara com a polícia assassina e racista. O trabalho, dirigido por Jeferson De ganhou o prêmio de melhor filme no Festival do Rio de 2019 e conta também com a atuação maravilhosa de Mariana Nunes que faz a mãe de Maurício. Ela está sublime. Não é um daqueles grandes filmes, tem alguma falhas de roteiro, mas ao escancarar na tela grande esse genocídio sem fim da população negra de maneira sensível e delicada, ele nos arrebata. Impossível não se indignar e se emocionar com o seu final.  

M-8 deixa de ser apenas um cadáver sem nome para se transformar no corpo unificado de uma juventude que clama pela vida.  

Está no Netflix e deve ser visto. É brasileiro e diz da nossa vida cotidiana. 

Asas do desejo


 A dica de hoje é um dos filmes mais lindos e impactantes já feitos. Asas do desejo, do diretor alemão Wim Wenders. Conta a história de um anjo que, cansado de sua existência espiritual, de compartilhamento do cotidiano com os humanos, sem poder sentir como eles de verdade, decide tornar-se mortal. Alguém que sendo “para sempre”, precisa do “agora” para se completar. Na primeira parte do filme ele caminha entre os humanos, cumprindo sua missão de anjo, ouvindo suas dores e compadecendo-se deles. O texto é fenomenal. O casamento perfeito entre a simplicidade e a complexidade dos sentimentos humanos. Corre mais de uma hora nesse encontro intimista e profundo. 

Numa das partes do filme, lá pela metade, os anjos conversam sobre o começo de tudo, da terra, da humanidade. E lembram como tudo era bonito até que um homem atacou outro e teve início a guerra. “Mas a outra parte, a de antes da guerra, também existe ainda hoje”, diz um deles, querendo redimir os homens. O filme mostra a impotência dos anjos, tentando confortar os humanos. Um cuidar sem poder.  

O amor por uma trapezista faz um dos anjos querer ser mortal e, uma insólita conversa com um mortal que parece vê-lo, o faz decidir. Ele se jogará no rio, e virá para o mundo terreno. “Olhar de cima não é olhar”, diz, pronto para humanizar-se e viver as delícias do cotidiano. Mas, jogar-se no rio acaba não sendo necessário. O anjo dorme e desperta com uma armadura caindo sobre sua cabeça.  Sente dor, e sorri. Está vivo. E, no espanto da vida, acaba conhecendo o que nenhum outro anjo jamais conheceu: o amor. 

O filme é cheio de referências históricas sobre o nazismo, os crimes contra os judeus, o muro.  O filme é ele mesmo um espanto. Feito para almas que sabem ver. Pode ser encontrado, de graça , no Youtube.